A demora das almas
- E. A. Meneghin
- 12 de jun.
- 3 min de leitura
Falo de um lugar em ruínas, não por pessimismo, mas por fidelidade ao que resta quando os nomes falham. A alma, para mim, não é uma certeza, mas uma espera, um sopro que é revelado pela ausência e pela rejeição da posse. Nunca a compreendi como substância, muito menos como promessa, mas como aquilo que em mim insiste quando me recuso a "ter uma vida comum" — a última tentação de Cristo, como a entendia Kazantzákis.
Não nasci místico. Fui levado através de um lento despojamento e não por uma conversão espetacular. A fé, se é que posso chamar assim, veio quando o mundo deixou de fazer sentido em sua totalidade ordenada, quando as doutrinas se mostraram insuficientes e os discursos falharam em nomear o que estava além do sangue e da história. Descobri então, sem saber, que a alma (como uma categoria do mundo) não é o que se encontra, é o que se perde.
Por isso hoje escrevo sobre sua demora. Porque ela não vem quando chamamos. Vem quando tudo o mais se cala e nos tritura.
Estamos, creio, num momento histórico em que a alma se tornou insustentável, não por uma negação aberta, mas por uma espécie de asfixia simbólica. A alma não tem dimensões plausíveis e tem a virtude da inutilidade. Não se adapta aos fluxos velozes da visibilidade contínua, da subjetividade dos espelhos emprestados e da arquitetura do vidro (para rememorar Benjamin). Entretanto, seu mistério não é abolido pela transparência, mas é obliterado ou preterido em nome de performances e estratégias totalizantes que tornam o silêncio impossível e a hesitação inviável. O que fazer com essa obscuridade da terra, com essa argila negra que trespassa meus dedos, infiltra-se nas unhas e que clama em meu interior a palavra vida, seu verdadeiro nome?
A alma, que é lenta, que é errática, de contornos sombrios, tem sua morada no intervalo entre o gesto e o sentido. Toda resposta imediata surge para ela como uma ameaça de demolição, porque ela se sustenta no mundo manifestado como um funâmbulo (ou equilibrista), que tem à sua direita o nada, e à sua esquerda a loucura. Muitas vezes o nada possui o brunimento do ouro, e a loucura, as colunas de uma gramática.
Mas há outra coisa. Algo inquietante. É a ausência de uma filiação patriótica ou racial da alma. Não vejo sua origem. Tudo o que toco e que tomo por seu rosto e sua língua desfaz-se diante de mim. Julgo a mim mesmo numa causa já perdida. A isso chamo ser estrangeiro.
A vocação mística, se ouso me incluir nesse nome tão antigo e tão frágil, é, no fundo, um chamado ao exílio. Ela rejeita a identidade dos nomes, das bandeiras, das fronteiras. Ela diz: "Abertura e ruptura". Nisso o vento sopra e seus grãos de areia viajam do deserto até os telhados bem comportados das cidades nas quais alguns os tomarão por cinzas e se sentirão intoxicados.
Trata-se de escancaramento, de exposição radical ao um Outro que nos cerca e induz à vertigem. Por isso não posso mais entender a alma como algo que se fecha em tradições particulares, em nacionalismos místicos ou liturgias de identidade. A alma é, por definição, despatriada.
Hoje, o mundo organiza-se numa tentativa cada vez mais brutal para reprimir esse exílio essencial. As culturas se fecham, os discursos se armam, as subjetividades se encapsulam em curadorias afetivas e políticas. A coerção é para que se organize os viventes em torno do controle da imagem de si, da busca pelo nome cientificamente plausível e que ofereça uma patologia que possa ser curada, para rumar em direção ao reino da felicidade (o nome lírico para a palavra desempenho).
Como a alma quer errar e quer se perder, não consegue atravessar sua noite, porque o amanhã está poderosamente construído, mas somente para os eleitos.
A demora das almas é, portanto, uma forma de resistência, não no sentido militante, mas místico. Resistir, aqui, é preservar a incandescência. É recusar a pressa de ser alguém e ir contra as próprias forças interiores que nos tentam com a segurança e a adaptação. A paz não é dos místicos, mas dos que prometem a paz corroendo o futuro de todos, esses que aceitamos como príncipes da humanidade e que nos chantageiam com a ameaça do fim, caso não aceitemos os termos de paz que nos oferecem. Só por isso a demora das almas não é alienação, porque ela rejeita a solução apressada dos que impõem a ordem.




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