As coisas brilhantes
- E. A. Meneghin
- 16 de ago.
- 2 min de leitura
"Quero pintar meu quarto de dourado", disse meu filho, sabe-se lá movido por qual desejo. Como não sabia o que responder, perguntei o motivo (minha fuga de adulto das questões irrespondíveis). Ele ficou em silêncio. É claro. O que haveria de dizer diante da opulência do dourado? Fui eu que perdi a fascinação pela pureza da cor sem nenhuma explicação, não ele. No fundo, o que senti foi inveja da sua virgindade dos sentidos, da sua vontade de imersão na cor simplesmente por ela ser como é. Nunca em meus dias mais inconsequentes imaginei pintar meu quarto inteiro de dourado.
Tornar-se adulto é decepcionante, porque faz-se um esforço muito grande para não se afundar nos sortilégios do esquecimento. O talento adulto é encontrar e fabricar motivos em série. Robustos. Incontornáveis. Mas motivos para meu filho? Todos inúteis diante de um azul, de um púrpura, de um laranja que cega.
Por outro lado, há algo que nós adultos podemos fazer: brincar com o que as coisas significam, como o valor do brilho, o significado da palavra brilhar, a obsessão pelo ouro.
Numa sessão dessas brincadeiras, falhei mais uma vez: "Filho, cuidado com as coisas que brilham demais. Elas chamam atenção no meio da multidão. Elas despertam inveja". Ao que ele me perguntou: "O que é inveja?"
Difícil explicar, mas disse que é quando as pessoas querem as mesmas coisas e colocam na cabeça que só uma delas poderá ter. Nesse momento (pude ver pela expressão de seu rosto) ele provavelmente imaginou o seu caminhãozinho sendo esquartejado por todos os amiguinhos da escola. Raça de víboras? Não há tanta diferença nesse ponto em relação aos adultos e seus talentos em criar motivos.
Ele quase chorou. Depois ficou envergonhado. Eu me senti péssimo por ter ensinado uma nova palavra, mesmo sabendo que, cedo ou tarde, ele descobriria da pior maneira possível. Não sei se fiz bem, mas foi o que aconteceu. Depois continuei com o quarto dourado, dizendo que ninguém ia ter inveja porque o quarto ficava dentro da casa, escondido dos outros.
Nisso obtive sucesso. O quarto dourado voltou a ser uma possibilidade para ele e cada um seguiu o seu caminho.
Ao chegar na biblioteca deparo-me com um livro de Mishima, O pavilhão dourado, como se eu tivesse sido atraído pela cor ou pela palavra até essa obra. Sou obrigado pelo talismã do acaso a abrir em uma página qualquer: "O rádio anunciava de minuto a minuto a aproximação do tufão, mas não se via ainda vestígio dele. A chuva intermitente da tarde cessara, e no céu claro da noite erguia-se a lua sem dúvida alguma cheia. O pessoal do templo observava do jardim as condições atmosféricas e dizia que era a calmaria antes da tempestade."
Após alguns minutos o tufão chegou. Como eu poderia proteger meu filho da inveja ensinando-o que as coisas brilhantes deveriam permanecer escondidas? Então tudo o que resplandece precisa ser ocultado? Seria esse o motivo de eu nunca ter imaginado um quarto dourado?




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